terça-feira, 20 de março de 2018

memórias literárias - 634 - A DECADÊNCIA

A DECADÊNCIA

 
634
 
Limpo os meus cds. Encontro alguns bem antigos, de jovens que louvavam ao Senhor. Procuro os seus telefones, alguns muito velhos. Consigo contatar alguns.
 
Um deles cantava tão bonito, tantos hinos sacros! Tornou-se pastor, já está com meia idade. Com um perfil tão eclesiástico tornou-se modernista. Deixou a música-solo e agora meteu-se num ministério de crescimento de igreja. Pai e filho. Milhares de pessoas. Nenhuma sombra do que ouço no velho cd.
 
Encontro outro. Um arranjador inteligente. Apresentava-se em noites missionárias. Tinha um repertório eclético, mostrava-se comprometido com o evangelho. Encontro-o. Toca em bares e boates americanas. Ganha a vida na noite. Frequenta uma igreja aos fins de semana. É reconhecido como ministro de música. Opina sobre tudo, inclusive sobre gênero e ecumenismo. Olho para o meu cd e pergunto: o que foi que aconteceu?
 
Vejo outro. Uma linda jovem, cantora. Ligo e descubro que abandonou o evangelho para ser promotora de vendas. Tornou-se conceituada. Fez faculdade teológica para vender perfumaria. Lembro-me da igreja a investir em seu seminário. Quem sabe conseguiram um vale-perfume vitalício, não?
 
Tomo a minha agenda de telefone e procuro os colegas. Este: pastor humilde na periferia, como era bom ouvir suas prédicas! Encontro-o como palestrante de rede hoteleira e conselheiro de esportes. Não há uma única menção ao evangelho.
 
O outro era seminarista estudioso. Descubro-o numa universidade alemã bebendo a filosofia existencialista e arrotando afrontas ao evangelho no qual fora criado. Que tristeza!
 
É muito raro ouvir-se a frase: "a igreja tal deu posse ao novo pastor; ele está fazendo um bom trabalho e a igreja está se tornando mais e mais espiritual". O que ouço é o contrário: a cada novo ministro que assume o desgaste da igreja tradicional avança, transformando-a num clube religioso. Jogam os bancos e os púlpitos pela janela e enchem o salão de computadores, baterias, cadeiras e poltronas. No lugar do púlpito há um móvel de ostentação com frases de efeito. E o ministro está mais para desfile fashion de jeans e tenis de marca do que pregador do velho evangelho.
 
Não vejo como isto mudará. Não há volta. E não se trata de um mero e conhecido "conflito de gerações". A questão é muito mais profunda, global e ontológica. Não foi apenas a copa da árvore que modificou-se; a raiz e o caule também. A videira deixou de sê-lo; o fruto é outro. Por isso as editoras bíblicas não cansam de refazer suas versões, ao gosto do freguês, motivadas pelas imposições dos líderes das grandes seitas que deixaram o rol da ortodoxia evangélica. Hoje tudo é mutante. Tudo, exceto a verdade; esta foi abandonada, porque não conseguiram torcê-la.
 
Tempos difíceis.
 
Uns poucos remanescentes ainda se mantém; espécimes raros de uma linhagem em extinção. Extinção na Terra,  povoamento do Céu. E em breve tudo se cumprirá.
 
Wagner Antonio de Araújo

16/03/2018

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