Um Pastor
Para
Vila
Alta
166
Durante
49 anos a Igreja Evangélica da Vila Alta foi pastoreada pelo veterano Pr. José
da Silva. Homem simples, cordato, auto-didata, excelente pregador, correto moral
e financeiramente, trouxe estabilidade e credibilidade àquele ministério. O
tempo passou, ele envelheceu e Deus o levou. A igreja não estava preparada para
essa situação. Sofreram muito, choraram, pediram o consolo divino. Com o tempo a
ferida foi sumindo.
Decidiram
em assembléia nomear uma comissão para convidar um novo pastor. Chamaram os
membros mais influentes e representativos das diversas organizações. Eles
precisavam de um pastor e então decidiram confiar à comissão o estudo da
questão.
Logo na
primeira reunião decidiram seguir as técnicas de mercado. Criaram um perfil para
o profissional desejado. Desenharam o novo pastor da seguinte forma:
1) Tinha
que ter entre 30 e 50 anos;
2) Tinha
que ser bacharel em teologia com alguma
especialização;
3) Tinha
que ter experiência anterior comprovada e carta de
recomendação;
4) Tnha
que ter exercido alguma função denominacional
relevante;
5) Tinha
que ter esposa e filhos integrados no trabalho;
6) Tinha
que ter um projeto de crescimento.
Aprovaram
o projeto e indicaram nomes. Logo apareceram os candidatos. A cada domingo um
deles desfilava pela "passarela da igreja", mostrando os seus dotes, talentos,
históricos, biografias e planos. No período da tarde a comissão os entrevistava
e obtinham questionários completos.
Um
problema surgiu nessas entrevistas: salário. O antigo pastor recebia um modesto
salário. Com muita dificuldade conseguiu pagar o seu INSS e adquirir uma casinha
para morar. Mas agora os candidatos apresentavam um orçamento muito diferente:
exigiam salários bem altos, 4 vezes mais do que o antigo pastor. O mais modesto
exigia 18 salários mínimos, casa, água, luz, telefone, carro da igreja,
combustível, convênio médico, seguro de vida, 14o. salário e uma suposta "verba
de gratificação". Segundo ele, a cada 10% de aumento na receita da igreja,
deveriam pagar-lhe 20% de representação, pois seria o responsável pelo avanço
orçamentário.
Feitas as
devidas consultas, a igreja o aprovou. Marcaram uma festa monumental. Chamaram a
imprensa gospel, os vereadores do bairro, os comerciantes, as igrejas
evangélicas, a fina nata daquela região. No púlpito uma surpresa: um carro zero
quilômetro para que ele visitasse o povo. Que
alegria!
Foram 6
meses de lua-de-mel. Os crentes brigavam para levar o pastor para almoçar ou
jantar em casa. Sua esposa mostrava seus dotes musicais e seus filhos
integraram-se na banda jovem. Aos poucos, porém, a festa perdeu o brilho e um
grande mal estar apareceu. No início, quando tudo era festa, o povo não
percebeu, mas depois da alegria começou-se a perceber uma mudança radical em
tudo:
1) Não
havia mais necessidade de cumprimentar os membros à porta; o pastor simplesmente
dizia boa noite e saía para o seu gabinete, trancando-se com 3 ou 4 irmãos,
geralmente os mais abastados ou com a liderança. O gabinete pastoral,
anteriormente ao lado do templo, agora estava no 3o. andar, bem afastado, longe
do povo.
2)
Substituiu o hinário da igreja por cânticos contemporâneos; agora as músicas
eram não apenas alegres, mas de agitação física: trenzinho no auditório, pular
até suar, danças com coreografias e letras inadequadas
biblicamente.
3) Fez
reformas no templo, jogando fora tudo o que poderia lembrar o pastor falecido:
forro de madeira de lei, bancada clássica, púlpito, piano, mesa de Ceia do
Senhor e quadros comemorativos; além disso proibiu o povo de compará-lo ao seu
antecessor, dizendo que viviam um novo tempo, uma nova
aliança.
Em um ano
e meio a igreja esvaziou-se. Os cultos eram mortos e fracassados, a mocidade
dispersou-se e muitos tornaram-se fornicários; a direção da igreja foi
esfacelada e o pastor tornou-se isolado em seu gabinete. Não tardou muito tempo
e recebeu o convite de uma igreja bem maior que lhe oferecia salário melhor e
abandonou sua grei. Não quis sequer um culto de
despedida.
Lá estava
novamente a Igreja Evangélica em Vila Alta no vale da vacância
pastoral.
Nova
assembléia e nova comissão. Precisavam escolher um novo pastor. Decidiram votar
em outras pessoas. Logo no início dos trabalhos da comissão optaram por convidar
pastores amigos, conhecidos, familiares e que fossem "mais baratos", não
exigiriam que tivesse tantos títulos, pois os mesmos, na realidade, só
atrapalharam.
Novo
desfile, novas disputas, novas divisões na igreja. O amigo da família mais
influente estava ganhando, mas havia o amigo dos fundadores, o amigo dos jovens,
o amigo dos adolescentes e o amigo dos músicos. Para escolher qual amigo iria
pastoreá-los, houve 6 votações e pelo menos 15 saídas de gente descontente com o
processo. Por fim, o amigo dos ricos ganhou.
Nova
festa, novo carro presenteado (o anterior levou o carro consigo), mas agora o
carro era mais simples. Novo período de lua-de-mel. Alguns retornaram à igreja,
outros não.
Não
tardou surgirem novos problemas. O pastor, trazido pelo grupo abastado, recebia
ordens de seus eleitores, tornou-se manipulado. Tinha que pregar determinados
assuntos e deixar outros. Para as funções e cargos ele teria que apoiar os
familiares do grupo. As atividades da igreja teriam que seguir a vontade do
grupo. Os outros membros, cientes da manipulação, entraram em confronto. Em duas
assembléias da igreja houve caso de agressão física. Por fim, em um ano de
ministério, o pastor se foi, sem o apoio do grupo e sem resolver os problemas.
A igreja
estava esfacelada. O grupo abastado dispersou-se em outras grandes igrejas. Os
demais estavam desiludidos. Um remanescente permaneceu. E tinham que seguir com
o trabalho. O problema pastoral teria que ter solução. Logo resolveram
enfrentá-lo. Nomearam uma nova comissão. Mas essa era diferente. Deus iluminou o
vice-presidente numa fala inesquecível. No meio da assembléia ele falou com a
unção do Senhor:
"Irmãos,
nomeamos primeiramente um grupo técnico e o que tivemos foi um pastor técnico;
nomeamos uma comissão de amigos e o que tivemos foi um pastor sujeito aos
grupos; esquecemo-nos de que a igreja é de Deus e quem tem que escolher o pastor
é Deus. Não temos que colocar a nossa vontade, mas pedir a vontade de Deus. Eu
não sei bem como fazer isso, mas acho que os mais indicados para participar
dessa comissão devem ser os crentes fiéis, consagrados, de sólido testemunho e
que notoriamente andam com Deus, independentemente de serem ricos, cultos ou
influentes politicamente; e nós sabemos perfeitamente quem são os que andam com
Deus aqui na igreja! O Senhor lhes dará sabedoria para nos conduzirem na escolha
de um novo pastor". A palavra foi bem recebida e transformada em proposta com
apoio, de votação favorável unânime.
Escolheram o irmão José, crente fiel e pobre, que
servia a Deus desde que a igreja era uma congregação. Escolheram o Irmão Amaro,
dono do comércio de materiais de construção, e, conquanto fosse considerado
abastado, era o mais liberal em ofertar e chorava quando a igreja falava em
missões. Escolheram a Irmã Maria, mulher que não faltava aos cultos de oração.
Também o Pedrinho, novo convertido e que não deixava de distribuir folhetos pelo
bairro e testemunhar de sua fé. Além destes escolheram mais 4 irmãos, de vários
níveis culturais e sociais, mas que notadamente levavam Deus a
sério.
Essa
comissão reuniu-se e emitiu um documento, onde se
lia:
"A
Comissão de Sucessão Pastoral, reunida na última sexta-feira, decidiu seguir o
seguinte roteiro:
1) Não
fazer um desfile de pastores, pois os servos de Deus não estarão disputando
vagas de emprego ou concorrendo com os próprios colegas de ministério;
2) Que o
candidato ao ministério seja, entre outras coisas:
a) Um
homem de Deus, genuinamente convertido, batizado e integrado em sua
igreja;
b) Que
seja conhecedor das Escrituras Sagradas, independente dos graus acadêmicos que
possua ou que deixe de possuir;
c) Que
seja um homem de oração, priorizando mais uma audiência com o Senhor do que uma
audiência com uma autoridade qualquer;
d) Que
seja alguém de moral ilibada, casado ou solteiro;
e) Que
seja cordato, hospitaleiro, tardio para irar-se, pronto para
ouvir;
f) Que
seja fiel às Escrituras Sagradas e não duvide do Senhor, nem queira inventar
novas doutrinas ou conduzir a igreja por planos de crescimento fora dos
parâmetros da Bíblia;
g) Que
ocupe-se mais com Deus e Sua vontade do que com seu lazer ou carreira
pessoal;.
h) Que
esteja pronto para sofrer as agruras do ministério sem maldizer da vida e que
saiba se portar com dignidade em todo o tempo;
Decidimos
também que só convidaremos um candidato, e, esgotadas as possibilidades deste,
passaremos para outro, e assim sucessivamente."
E assim
fez a igreja. Não foram procurar mais nas primeiras igrejas ou nas congregações
mais ricas das cidades vizinhas. Não foram procurar obreiros nos jornais
evangélicos, nas colunas sociais, nos eventos políticos ou com executivos da
denominação. Não foram procurá-los nos parentes dos crentes ou amigos dos
líderes. Eles oraram a Deus semana após semana, em vigílias e cultos previamente
agendados para esse fim e pediam para que Deus lhes mostrasse de alguma forma o
homem certo.
Alguns
membros da comissão visitaram outras igrejas e conheceram outros pastores.
Conheceram vários, mas não se iludiram com as aparências. "Deus não vê como vê o
homem", dizia sempre o irmão José, o relator. "Vamos esperar o sinal de Deus".
Encontraram um pastor simples, humilde, de meia idade, numa pequena igreja da
zona sul. Não era rico, nem um galã que conquistasse auditórios; era apenas um
homem comum servindo ao Senhor com dedicação. Souberam que era um homem
conservador, que limitava o seu ministério ao ensino simples das Escrituras
Sagradas, à comunhão da igreja e ao serviço do próximo. Ouviram-no, sentiram-no
com o coração e, após pedirem a orientação de Deus, convidaram-no para pregar.
Foi um fim de semana inteiro.
Após a
visita a igreja foi consultada e o candidato foi aprovado. Não lhe perguntaram
quantos diplomas tinha, nem quantos cargos exercera e nem quais eram as suas
realizações. Apenas perguntaram a ele, após as questões de praxe, o que ele
faria se a igreja o convidasse. Ele disse: "Perguntaria ao meu Senhor se esta
era a vontade dEle. Se fosse, não hesitaria em aceitar; se não fosse não
hesitaria em rejeitar; não estou ao meu serviço, mas ao dEle.".
Consultada a igreja, resolveram convidá-lo. Ele pediu
um prazo para consultar a Deus. No tempo acertado ele respondeu positivamente. A
igreja aceitou sua resposta como resposta do Senhor.
Na posse,
não houve pompa. O pastor quis que fosse um culto para Deus e não para festejar
o pastor. Seria a gratidão pelo novo ministério e o clamor pelas bênçãos
necessárias. E assim foi. Houve muita alegria, mas uma alegria espiritual, uma
festa no coração. Não houve nenhuma superlotação imediata, nem esvaziamento.
Houve um lento e contínuo desenvolvimento. O início foi difícil, muitos pecados
para tratar, disciplinas a realizar, reconciliações a fazer. A igreja passou a
orar muito, a buscar muito a presença do Senhor. E o púlpito tornou-se celeiro
do maná do Céu e não mais plataforma de exaltação humana. Os cultos tornaram-se
celebrações espirituais e não entretenimento religioso. E ninguém ia ouvir o
pastor, mas ouvir Deus através das pregações bíblicas do
pastor.
Hoje
aquela igreja festeja os dez anos deste belíssimo ministério, que, à despeito da
humildade, modéstia e limitação do pastor, tem sido tão bom quanto o ministério
do primeiro pastor que Deus levou. Hoje se menciona o nome do pastor falecido como
uma jóia e um herói da fé e não como um concorrente ou uma sombra para o atual
ministro. Hoje aquela igreja está feliz, estável e cheia de vida.
Onde
Cristo é honrado os homens se tornam servos e o povo celebra a Deus. Sem
estrelas, sem celebridades, sem interesses familiares ou motivos fúteis e
mundanos. A igreja passa a ser POR CRISTO, COM CRISTO E EM CRISTO, a verdadeira
Noiva do Cordeiro de Deus.
Wagner
Antonio de Araújo
(isto é
uma ficção... ou quase ...)
15/08/2014